O bestiário, ou Cortejo de Orfeu (Le Bestiaire, ou Cortège d’Orphée), Guillaume Apollinaire: 6-10
(6)
O gato
Em minha casa, quero ter:
Arrazoada, uma mulher,
Um gato andando pela estante,
Amigos perto a todo instante,
Sem os quais não sei viver.
(7)
O leão
Que triste imagem, ó leão,
És do rei ao chão caído,
Numa jaula ora és nascido,
Num zoológico alemão.
(8)
A lebre
Não sejas lascivo e assustado,
Qual lebre macho e o apaixonado.
As faculdades, sim, conserves
Qual lebre fêmea que concebe.
(9)
O coelho
Conheço um outro coelho
Que vivo o quero em captura.
Vive no vale, entre o tomilho,
No País da Ternura.
(10)
O dromedário
Com seu quatro dromedários,
Dom Pedro de Alfarrobeira
Admirou a inteira terra.
Fez o que eu fazer quisera,
Se tivesse dromedários.
Notas
País da Ternura: O Mapa do país da ternura (Carte du pays de Tendre), atribuído a François Chauveau, é uma representação cartográfico-alegórica do amor, que figura no romance histórico Clélie, escrito pela romancista preciosista Mademoiselle de Scudéry. O Preciosismo é o movimento literário do século XVII francês, dedicado ao refinamento da língua e dos costumes.
Dom Pedro de Alfarrobeira: Pedro de Portugal, primeiro Infante de Coimbra (1392-1449); conhecido como Infante das Sete Partidas por suas viagens, conta-se a seu respeito lendas sobre sua visita à Terra Santa; morre durante a Batalha de Alfarrobeira, a 20 de maio de 1449, contra o rei Afonso V, seu sobrinho.