provar que não era idiota
certo zelota possuía profundo desejo de ao mundo provar que não era idiota
certo zelota
possuía profundo
desejo de ao mundo
provar que não era idiota
Duas epígrafes grampeiam a fé cristã no mural das humanas idéias: João 20, 29 (Porque viste, creste: mais feliz quem não viu e crê) e o lapidar estropio do pensamento expresso em De carne Christi, de Tertuliano: credo quia absurdum. Mas para este novo Elias, novíssimo Batista, a exaltar-se da ponta dos pés sobre um caixote de madeira, partindo o mar multicor dos desordenados rumo ao terminal, a verdade era auto-evidente, e portanto verdadeira: crer era fatual. Estrangulando entre secos e nervosos dedos uma Almeida, ao ar suspensa, aos transeuntes gritava as transparentes evidências; não juntara ainda o suficiente para comprar um microfone—não pedia ou aceitava contribuições durante a pregação, embora ocorresse regularmente em horário comercial—; a garganta era um abismo clamando no deserto aos analgésicos. Nenhum olhar compassivo cruzara-lhe o caminho desde o sonho em que um anjo lhe dissera: Vai, prega; os poucos que o interpelaram tinham a torturante luz do livre-pensamento, do ceticismo, do ateísmo, da desconfiança, da corrosiva derrisão. Havia menos certeza nesses olhares que no seu, disso não duvidava; nos poucos segundos em que se encontravam, versículos vários neles distinguia, de alguma escritura que não alcançava conhecer; um período infirme, de apostos composto, e subordinações atolondradas, doente desdobrava-se entre pecador e pregador. Sabia-se superior; por que o importunava? Um jovenzinho particularmente triste, carregando-se a si mesmo rumo a alguma Gólgota escolar, olhara-o de relance enquanto apocalipsava; sentiu-se como o Pedro de Lucas, pelo Cristo traspassado após o haver triplamente traído. Percebeu que temia que o julgassem, temia ser um imbecil perante os homens; que a si pregava, que a si pregara durante anos, pelo temor de estar em erro. Exaltava-se a si mesmo naquele estúpido caixote, recusando-se àqueles incompletos inquéritos de indiferentes passantes. Traspassou-lhe o tórax uma adaga de dor, e ao chão entregou o espírito. Suspirou, conteve-se. Aos gritos, com a voz partida em duas, mais ressequida que uma figueira, empeçou o Sermão da Montanha.