sobre não esquecer
(1)
adendo ao Príncipe-sapo
como te hei de libertar
dourada bola
se cárcere e carcereiro
se prisão e prisioneiro
portanto, poço adentro
dourada bola
quaisquer escolhos que te embalem
quaisquer as águas que te acolham
(2)
quando me tocas
quando me tocas
coa cautela me abordas
dum enfermeiro
que cuidoso encosta
suave ferida
interior hematoma
indeciso em ser doce
a pouca mão com que tocas
poroso meu muro, não indolor
os silêncios expressa
—conversando em potência
impotentes calando—
de algo que a si não se sabe
que oxalá se queira saber
ressona assim
entre ti e mim
inconspícuo um fim
de indeciso apreço
que oxalá se descubra começo
não sei ler o que tocas
quando me tocas
(3)
alegoria do coração como concha
ambígua e bivalve a esperança
não consegue de si, não alcança
impingir-se esta perda
e expelir esta pedra
que pedra era e ora é pérola
que o cor depreda quando pulsa
pois, ostra, ostraciza-se
dentro daquilo que dentro de si o interpela
(4)
sobre não esquecer
dia algum apaga um mês
mas dias sim que apagam meses
esses há
diáfano um dia
translúcidas faz ressurgir
inda meio afogadas em nada
a custo à tona assomando
hialinas imagens
cristalinos cromos
por sobre os claros, coloridos
por sobre os densos, trabalhosos
opacos meses
que as haviam soçobrado
dia algum apaga um mês
mas dias sim que anulam meses
esses há
e um destes vivo
(5)
acidente
acidental e repentino
o lírio abri do morto meu destino
caindo-me das mãos não consegui
ver pária e descomposta, infinda e pequenina
a senda dos teus passos sobre a minha vida