Poemas, Concha Méndez
Eram verdes feito um mar
Eram verdes feito um mar,
onde o alto céu faz reflexo.
Tão bem sabiam olhar—
uns dois olhos de que lembro.
Na penumbra reluziam
Com uma luz de mistério,
Feito dois claros abismos
Abertos a mil desejos.
Daqueles dois olhos verdes
muitas horas vi-me eu perto,
suplicantes eis me olhavam,
e me esquivava de vê-los!
E hoje que os quisera ver,
Longe, longe não os vejo…
Água pura corria…
Ao piano corria
água pura.
Das mãos lhe efluía,
taças duas.
A saudade dormia,
dormia o poente.
A música bebia
de sua nascente.
Malva e rosa
A Guillhermo de Torre
Este sonho malva e rosa
que sonham as águas do rio
orvalha tarde afora
as velas do meu navio.
Venho de um lugar distante.
Passo à frente do espigão.
Uma canção de marinheiro
se me orvalha ao coração…
Entardecer. No Rio da Prata.
Diante da cidade eu sonho.
Içadas levo as velas,
as velas do meu abandono…
E se esvaem com o dia
—sem que eu saiba aonde vão—
as luzes de minha alegria.
Madrigal
Vem a mim, que vais ferido,
que neste leito de sonhos
podes descansar comigo.
Vem, que já deu meia-noite,
e o badalar do esquecimento
sino algum dobra ou derrama
em meu peito agoniento.
Teu retorno já esperava.
Dalgum canto em minha vida
voz sem voz mo anunciava.
Minha janela
O vento
trava espadas de gelo.
—Não abrirei a janela—
O vento
decapita as estrelas.
—Não abrirei a janela—
O vento
leva línguas de fogo.
—Não abrirei a janela—
Nos telegramas de sombra
que os ventos vão entregando
já se lê a Grã Notícia
que comove o Universo…
—Não abrirei minha janela—