Recessional, Rudyard Kipling

Deus de nossos pais, senhor
Do batalhão longe espraiado,
Nosso domínio é Teu pendor,
Da palma ao pinheiro elevado :
Deus das Hostes, que permaneças
Pra que Teu povo não se esqueça!

Morre o tumulto e a gritaria,
Partem o rei e o capitão;
Mas Teu sacrifício vivia
No mais contrito coração.
Deus das Hostes, que permaneças
Pra que Teu povo não se esqueça!

Morre a marinha na lonjura;
Do tiroteio, nem um tiro;
A pompa d’antes não mais dura
Que a de Nínive, que a de Tiro!
Juiz das Nações, Te compadeças,
Pra que Teu povo não se esqueça!

Se o poder faz com que, arrogante,
Gabe-se a língua, indecorosa,
Como os gentios gabavam-se antes,
Ou raça menos exitosa:
Deus das Hostes, que permaneças
Pra que Teu povo não se esqueça!

Se a ímpia fé só se acautela
No projétil, no canhão,
Mas não Te põe de sentinela,
Tais nadas nada adiantarão .
Por brado e verbo sem valor,
Tem-nos piedade, Senhor!

Recessional
God of our fathers, known of old, Lord of our far-flung battle-line, Beneath whose awful Hand we hold Dominion over palm and pine— Lord God of Hosts, be with us yet, Lest we forget—lest we forget!

Notas

Recessional: Hino cantado ao final da missa.

ode vitoriana: Kipling dedicou o poema ao Jubileu de Diamante da rainha Vitória—primeira monarca inglesa a alcançá-lo—, celebrado a 22 de junho de 1897; a publicação, contudo, data de aproximadamente um mês após (The Times, 17 de julho), quando as celebrações já se findavam, posto que não pensava escrever para a ocasião.

Da palma ao pinheiro elevado: Sinédoque da extensão do Império Britânico no século XIX, que abarca os hemisférios norte (o pinheiro, cujas espécies espalham-se por Eurásia e Américas) e sul (a palmeira, representando os domínios em África e Oceania).

Deus de nossos pais […] Deus das Hostes: Ambos os epítetos são predominantemente veterotestamentários. O primeiro ocorre por primeira vez em Deuteronômio 26, 7, sendo mais escasso; não é impossível que se ligue ao conceito mais primitivo e antropomórfico de deus pessoal (divindade que oferece proteção a um indivíduo, e, por extensão, à sua casa e aos seus), que ocorre em expressões como Deus de Abraão (e.g. Gênesis 17, 22) ou Deus de meu senhor Abraão (Gênesis 24). O segundo, nominalmente bélico, já ligado a um deus nacional, tem sua primeira ocorrência em 1 Samuel 1, 3, e recorre nos Salmos, nos livros históricos e proféticos; a Almeida o verte por Senhor dos Exércitos; a Bíblia de Jerusalém opta por Iahweh dos Exércitos.

Nínive: Cidade assíria, cujas ruínas, hoje, encontram-se no perímetro da cidade de Mosul, Iraque. Jonas prevê sua destruição dentro de quarenta dias (3, 4); a cidade o escuta, mostra arrependimento e é poupada (3, 5-10).

Tiro: Cidade do atual Líbano, uma das mais antigas cidades habitadas do mundo. Em contexto bíblico, é sinônimo da cidade arrasada pelo Senhor por sua iniqüidade; sua destruição é profetizada em Isaías, 23, e lamentada em Ezequiel, 26-28. A respeito, diz a Bíblia de Jerusalém em nota: Tiro, construída numa ilha a pequena distância da costa, foi atacada ou sitiada por inúmeros conquistadores, Salmanasar, Senaquerib, Nabucodonosor (cerco de 12 anos cf. Ez 26-28). Será destruída por Alexandre em 322 (nota a Isaías 23, 1, p. 1287). No Novo Testamento, é mencionada por Jesus em Mateus 11, 21-22: Ai de ti, Corazin! Ai de ti, Betsaida! Porque se em Tiro e em Sidônia tivessem sido realizados os milagres que em vós se realizaram, há muito se teriam arrependido, vestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinza. Mas eu vos digo: No Dia do Julgamento haverá menos rigor para Tiro e para Sidônia do que para vós.

Se a ímpia […] adiantarão: A estrofe pode guardar lembrança do Salmo 20, 9: Uns confiam em carros, outros em cavalos; / nós, porém, invocamos o nome de Iahweh nosso Deus.