Ciência e conservadorismo: pesquisas recentes sobre homofobia

Há uma grande tentação em se endossar determinadas teorias aparentemente sugeridas por resultados de pesquisas recentes; esses resultados são, muitas vezes, distorcidos ou exagerados por meios de comunicação de cunho mais popular, não-científico. O apresentador britânico John Oliver, em seu Last Week Tonight, comentou sobre as distorções realizadas por meios de comunicação em massa ao reportarem descobertas científicas recentes; o pivô da matéria foi a viralização de diversas reportagens alegando que flatos têm ação anti-cancerígena.

Matéria apresentada no programa Last Week with John Oliver em 2016 sobre a representação distorcida de pesquisas científicas pela grande mídia.

Não obstante, algumas idéias popularizadas por determinadas mídias parecem apelar para mais do que a curiosidade, desejos pessoais ou ambições políticas coletivas. A idéia de que a homofobia (termo aqui guarda-chuva para qualquer tipo de preconceito relativo à comunidade LGBTQI+) é derivada de pulsões homossexuais latentes ou reprimidas, por exemplo, parece fazer algum sentido: demonstrar ódio para disfarçar o desejo, apontar agressivamente no outro o que se deseja esconder em si.

Esse apelo é confirmado, vez ou outra, por escândalos de ativistas conservadores flagrados engajando-se em práticas homossexuais; se há auto-declarados “ex-gays” (o caso famoso mais recente é o do presidente filipino Rodrigo Duterte), há também auto-declarados “ex-ex-gays”, que denunciam as terapias corretivas perpetradas por grupos religiosos como práticas abusivas: muitas vezes, tais práticas permitem a estes opressores reprimidos que saciem seus desejos, abusando de seus “pacientes” durante o “tratamento”.

Estes casos são importantes por oferecerem provas concretas da promissora teoria, e assim permitirem que a comunidade LGBTQI+ utilize estas descobertas como modo de defesa. Não obstante, acusar uma personalidade conservadora de estar reprimindo a própria orientação sexual é uma estratégia ambígua: alguns ativistas apontam que taxar um político ou ativista conservador de gay é, simplesmente, reproduzir estereótipos negativos sobre a comunidade, usando o termo como pejorativo. Mesmo assim, para muitos, parece promissor e tentador voltar contra os conservadores suas próprias ofensas, fazer com que experimentem o peso de suas palavras e, com alguma sorte, conseguir espalhar uma atitude generalizada de desconfiança em relação à homofobia—popularizando que, também no caso dos homofóbicos, “quem desdenha quer comprar”.

Em 2018, a OMG retirou de sua lista de doenças mentais a transexualidade, quase trinta anos após haver feito o mesmo pela homossexualidade, em 1990. Compreender a homossexualidade como condição humana—e não só humana, uma vez que já este comportamento foi observado em inúmeras espécies—, no entanto, é insuficiente. A homofobia também necessita ser compreendida, para além do lugar-comum de que todo homofóbico é um enrustido.

Aqueles que professam amor pela ciência, mesmo não sendo cientistas, deveriam ter em mente que reportagens dramáticas alardeando a verdade das descobertas de um estudo não estão tão distantes das fake news que vêm gerando uma perigosa onda de anticientificismo. É necessário um corpo consolidado de pesquisas suficientemente relacionadas para que uma idéia possa ser comprovada. Todo e qualquer estudo sério e competente fala apenas por seus resultados, e jamais generaliza para além deles; todo estudioso comprometido clama por mais estudos relacionados ao seu, que o possam refutar, corrigir, aprimorar ou corroborar.

Assim, como fiz em artigo anterior, listo abaixo artigos científicos recentes com os resultados de pesquisas sobre o comportamento homofóbico em sua relação à homossexualidade latente; não se trata de pesquisa exaustiva, tendo apenas por objetivo ilustrar que tipos de estudos já foram conduzidos, e principalmente que seus resultados nem sempre estão em pleno acordo.

Aqui, posso apenas incluir a tradução dos resumos—muitas vezes, o artigo original encontra-se indisponível para consulta gratuita—, mas creio que nos aproximarmos de como os próprios cientistas descrevem suas descobertas pode ser salutar, mostrando-nos a cautela epistêmica que as viralizações e o sensacionalismo midiático não raro desconhecem.


The cognitive roots of prejudice towards same-sex couples: An analysis of an Australian national sample (As raízes cognitivas do preconceito contra casais do mesmo sexo: análise de uma amostra australiana)

Francisco Perales
Intelligence vol.68, maio-jun/2018. pp.117-127.

Resumo: Há conhecidas correlações entre baixa capacidade cognitiva e o endosso a atitudes preconceituosas ou não-igualitárias. O presente artigo agrega ao conhecimento existente, oferecendo as primeiras análises de associações entre capacidade cognitiva e atitudes perante questões da comunidade LGBT em uma amostra não-estadunidense (Austrália), comparando-as através de três medidas de habilidade cognitiva, e examinando os efeitos isolados, conjuntos e interativos da educação e da capacidade cognitiva. A partir de um conjunto dados australiano de alta qualidade (n=11.564), os resultados indicam que indivíduos com baixa capacidade cognitiva são menos propensos a endossar direitos iguais para casais do mesmo sexo. Esse padrão se mantém na presença de confundidores, é consistente para as três medidas de capacidade e se encontra mais marcado na capacidade verbal. A educação e a capacidade cognitiva afetam as atitudes através de canais semelhantes, mas possuem efeitos independentes.

Palavras-chave: capacidade cognitiva, questões LGBT, preconceito intergrupos, casais do mesmo, atitudes sociopolíticas


Parental Autonomy Support and Discrepancies Between Implicit and Explicit Sexual Identities: Dynamics of Self-Acceptance and Defense (Estímulo parental à autonomia e discrepâncias entre idêntidades sexuais implícitas e explíticas: a dinâmica da auto-aceitação e da auto-defesa)

Netta Weinstein, William S. Ryan, Cody R. DeHaan, Andrew K. Przybylski, Nicole Legate & Richard M. Ryan
Journal of Personality and Social Psychology vol.102 n.04. 2012. pp.815–32.

Resumo: Quando um indivíduo é criado por pais que cerceiam a autonomia, podem ser impedidos de explorarem valores e identidades internamente endossados, e conseqüentemente ostracizarem aspectos de seu eu percebidos como inaceitáveis. Dada a estigmatização da homossexualidade, indivíduos que percebam baixo estímulo à autonomia por parte dos pais podem ser particularmente motivados a esconder atração homoafetiva, o que levaria a processos defensivos como a formação de reação. Quatro estudos testaram um modelo no qual a percepção do estímulo parental à autonomia foi associado a discrepâncias entre orientação sexual auto-alegada e orientação sexual implícita (avaliada através de uma tarefa que mede tempo de reação). Esses índices foram cruzados para predizer a ocorrência de respostas anti-gay indicativas de formação de reação. Os estudos 2-4 mostraram que uma discrepância entre implícito/explícito era particularmente manifesta em participantes cujo pai era visto tanto como alguém que oferece pouco estímulo à autonomia quanto como homofóbico, embora os resultados hajam sido inconsistentes no que diz respeito às mães. As descobertas do estudo 3 sugerem a autoestima contingente como elo entre modos de criação e discrepâncias entre medidas de orientação sexual.

Palavras-chave: autonomia, teoria da autodeterminação, homofobia, defesa, parentalidade.


A secret attraction or defensive loathing? Homophobia, defense, and implicit cognition (Atração secreta ou repulsa defensiva? Homofobia, defesa e cognição implícita)

Brian P. Meier, Michael D. Robinson, George A. Gaither & Nikki J. Heinert
Journal of Research in Personality vol.40 n.4, ago/2006. pp.377-394.

Resumo: Concepções psicodinâmicas de homofobia sugerem que os homofóbicos podem sentir atração latente por sexo gay. Ainda que ao menos um estudo dê suporte parcial a esta idéia, a reatividade cognitiva implícita a imagens gays ainda não foi examinada. Conduzimos o presente estudo para investigar estas formas de reatividade com a intenção de melhor compreender a homofobia defensiva. Os participantes completaram duas tarefas de interesse sexual implícito, e também questionários de autoengano e homofobia. Os resultados mostram que o autoengano mediava a relação entre homofobia e desempenho nas tarefas implícitas. Contrariamente à idéia de que homofóbicos defensivos (i.e. homofóbicos com alto índice de autoengano) nutrem atração sexual implícita por sexo gay, os resultados apontam que estes indivíduos demonstram sinais de aversão fóbica. Também identificamos uma forma não-defensiva de homofobia (i.e. homofóbicos com baixo nível de autoengano) que exercia relativamente baixa influência no desempenho de tarefas implícitas relacionadas ao sexo gay. Os resultados sugerem que homofóbicos defensivos têm aversão implícita (ao invés de atração implícita) a estímulo sexual gay.

Palavras-chave: homofobia, defesa, autoengano, preconceito sexual


Is Homophobia Associated with Homosexual Arousal? (A homofobia está associada à excitação homossexual?)

Henry E. Adams, Lester W. Wright, Jr. & Bethany A. Lohr
Journal of Abnormal Psychology vol.105 n.3, 1996. pp.440-445.

Resumo: Os autores investigaram o papel da excitação homoerótica em homens exclusivamente heterossexuais que admitiram nutrir sentimentos hostis contra indivíduos homossexuais. Os participantes consistiam em um grupo de homens homofóbicos (n=35) e não-homofóbicos (n=29); a divisão em grupos se deu com base em sua pontuação Índice de Homofobia (W. W. Hudson & W. A. Ricketts, 1980). Os homens foram expostos a estímulos sexuais por meio de vídeos heterossexuais, homossexuais e lésbicos, e alterações na circunferência peniana foram monitoradas. Também completaram um Questionário de Agressão (A. H. Buss & M. Perry, 1992). Ambos os grupos demonstraram aumento na circunferência peniana em resposta aos vídeos heterossexuais e lésbicos. Apenas os homofóbicos apresentaram aumento na circunferência peniana em reposta aos estímulos homoeróticos. Os grupos não diferiam quanto à agressão. Homofobia está aparentemente associada à excitação homoerótica que é ou desconhecida pelo indivíduo homofóbico ou por ele negada.

[O artigo original não apresenta palavras-chave]