O ressurgimento de movimentos totalitários parece, de certo modo, ligado à força de teorias conspiratórias anticientíficas, tais como o criacionismo, o movimento anti-vaxxer (ou anti-vacina) e o terraplanismo. Assim como crenças anticientíficas podem ter implicações políticas—e a negação do aquecimento global, e, com ele, de políticas públicas internacionais que o contenham é o mais óbvio exemplo contemporâneo—, crenças conspiratórias estritamente políticas também podem ter impacto sobre a visão de mundo acerca da ciência; portanto, talvez devêssemos agregar à lista fabricações como os Illuminnati e o deep state (estado profundo). Mais que simplesmente negarem a ciência, estas teorias parecem promover uma desconfiança à uma generalizada e seletiva aos cientistas, à comunidade científica e às instituições de ensino e pesquisa.
Embora essa desconfiança, em alguns casos, tenha clara motivação política—preocupante não só quando figuras ligadas à esfera religiosa ocupam posições-chave no governo, mas quando interesses empresarias se opõem à urgência em barrar os efeitos do aquecimento global e a corrente onda de extinção em massa—, não podemos ignorar que há fatores de ordem pessoal e social que motivam determinados grupos a endossarem teorias da conspiração.
A jornalista científica Elfy Scott, em artigo publicado em abril no The Guardian, comentou o efeito catártico (embora improdutivo) de se fazer pouco de pessoas que sustentam teorias da conspiração, chamando a atenção da comunidade científica ao fato de que é necessário compreender melhor o fenômeno e rever de que modos vem se comunicando com o público leigo:
É interessante que, para uma comunidade tão perpetuamente satisfeita consigo mesma [refere-se à comunidade científica], estejamos todos, aparentemente, cometendo o mesmo erro fundamental de atribuição, ao ignorar a noção de que a crença na pseudociência e em teorias da conspiração é motivada por fatores externos como medo, confusão, fragilização. Ao invés disso, parecemos amiúde satisfeitos em apontar o nonsense de alguma idiotice individual estranhamente próspera.
Parece fácil rir de um adolescente que processa sua escola para não tomar vacina contra catapora, perde o processo e contrai catapora, mas como compreender o que o leva a crer que o melhor é não tomar a vacina? Como convencê-lo do contrário?
Renee DiResta, em artigo versando sobre a radicalização de opiniões em comunidades virtuais e as tentativas (mormente fracassadas) das plataformas digitais de restringirem acesso a conteúdo conspiratório, compara comunidades online e seu processo de recrutamento às práticas de cultos da era anterior à Internet. Cita a opinião de Rachel Bernstein, especialista em terapia de recuperação:
Quando se envolvem num movimento, as pessoas estão coletivamente dizendo que desejam conectar-se umas às outras. Desejam acesso exclusivo à informações secretas de que outros não dispõem; informações que, segundo creem, os donos do poder escondem das massas, pois isso os faz sentir protegidos e empoderados. Estão um passo à frente dos que se mantêm obstinadamente cegos. A sensação gerada é semelhante à de uma droga—é seu próprio “barato”.
Ao final, comenta em passagem a resistência de plataformas como YouTube e Facebook em restringirem acesso a conteúdo conspiratório de forma mais ampla. As recentes palavras do comediante Sacha Baron Cohen à Anti-Defamation League (ADL) colocam a responsabilidade (e relutância) das mídias digitais em termos mais propriamente econômicos, e conclamam a uma mais rigorosa regulamentação e a formais mais rigorosas de checagem de fatos:
Facebook, YouTube, Google, Twitter e outros alcançam bilhões de pessoas; seus algoritmos dependem da amplificação deliberada de conteúdos que mantenham os usuários engajados—estórias que apelam a nossos instintos mais básicos, e geram revolta e medo. […] São as mais ricas companhias do mundo, e têm os melhores engenheiros do mundo. Poderiam resolver este problema se quisessem. […] A verdade é que essas companhias não irão mudar, pois seu modelo de negócios é baseado inteiramente na geração de mais engajamento, e nada gera mais engajamento que as mentiras, o medo e a revolta.
Enquanto a fala de Cohen enfatiza o componente político e econômico da disseminação de conteúdo falso, Scott e Bernstein enfatizam os aspectos psico-sociais que levam grupos a caírem nas garras de teorias da conspiração. Em virtude do eminente risco político destas teorias—cuja crescente popularidade pode ser tanto conseqüência quanto instrumento da corrente crise mundial que traz o retorno das ameaças da extrema direita—, acabei fazendo uma breve pesquisa sobre livros e artigos disponíveis acerca do assunto. Abaixo, publico a tradução de alguns abstracts de pesquisas recentes, bem como das descrições de duas coletâneas de textos sobre o assunto. Não se trata de uma pesquisa bibliográfica rigorosamente levada a termo, apenas de um levantamento inicial.
Livros
The Social Psychology of Gullibility: Conspiracy Theories, Fake News and Irrational Beliefs (A psicologia social da ingenuidade: teorias da conspiração, fake news e crenças irracionais)
Joseph P. Forgas & Roy Baumeister (eds)
Routledge: 2019.
Excerto da folha de rosto: A ingenuidade, gostemos ou não, é uma característica fundamental dos seres humanos. Neste volume, Forgas e Baumeister exploram o que sabemos sobre as causas, funções e conseqüências da ingenuidade, e os processos psicológicos e sociais que a promovem ou inibem.
Com contribuições de pesquisadores internacionais de ponta, o livro revela as contribuições da psicologia social e cognitiva para nossa compreensão de como juízos e decisões humanas podem ser distorcidos e desvalorizados. Os capítulos discutem a natureza e as funções da ingenuidade, o papel dos processos cognitivos na ingenuidade, a influênica da emoção e da motivação sobre a ingenuidade, os aspectos sociais e culturais da ingenuidade. Embasados em uma pletora de pesquisa empírica, os colaboradores exploram assuntos instigantes como a psicologia das teorias da conspiração, o papel da ingenuidade política, a ingenuidade na ciência, o papel da Internet em fomentar a ingenuidade, e as falhas de raciocínio que contribuem para a credulidade humana.
Pseudoscience: The Conspiracy Against Science (Pseudociência: a conspiração contra a ciência)
Allison B. Kaufman & James C. Kaufman (eds)
MIT Press: 2018.
Excerto da descrição do produto no site da Amazon: Num mundo da pós-verdade e das fake news, estamos particularmente suscetíveis às asserções da pseudociência. Quando emoções e opiniões são mais amplamente disseminadas que descobertas científicas, e experts autoproclamados encontram sua expertise no Google, como pode o indivíduo médio distinguir a ciência verdadeira da falsa? Este livro examina a pseudociência desde uma variedade de perspectivas, através de estudos de caso, análises e relatos pessoas que mostram como reconhecer a pseudociência, porque é tão amplamente aceita, e como advogar em prol da ciência verdadeira.
Artigos
The Psychology of Conspiracy Theories (A psicologia das teorias da conspiração)
Karen M. Douglas, Robbie M. Sutton, & Aleksandra Cichocka
Current Directions in Psychological Sciences, 26.6. dez/2017, pp.538–542.
Resumo: Quais fatores psicológicos condicionam a popularidade das teorias da conspiração, as quais explicam fatos importantes, como os planos secretos de grupos poderosos e maléficos? Quais são as conseqüências psicológicas de se adotar tais teorias? Revisamos a pesquisa corrente, e verificamos que responde à primeira destas questões mais exaustivamente que à segunda. A crença em teorias da conspiração parece ser condicionada por motivos que podem ser descritos como epistêmicos (a compreensão do próprio ambiente), existenciais (sensação de segurança e controle deste ambiente) e sociais (manutenção de uma imagem positiva de si e do grupo social). Entretanto, poucas pesquisas investigam as conseqüências da crença conspiratória; até o momento, a pesquisa não indica que crenças conspiratórias satisfaçam as motivações pessoais; ao invés disso, para muitos, podem ser mais atraentes que satisfatórias. É necessário investigar mais a fundo para se determinar para quem, e sob quais circunstâncias, teorias da conspiração são capazes de satisfazer motivações psicológicas essenciais.
Palavras-chave: teorias da conspiração, crença conspiratória, motivações, necessidades
Belief in conspiracy theories: Basic principles of an emerging research domain (Crença em teorias da conspiração: princípios básicos de um domínio de pesquisa emergente)
Jan‐Willem van Prooijen & Karen M. Douglas
European Journal of Social Psychology, 48.7 (Special Issue: Belief in Conspiracy Theories as a Social-Psycholoical Phenomenon), dez/2018. pp.897-908.
Resumo: Nesta introdução ao número especial do EJSP sobre teorias da conspiração enquanto fenômeno social, descrevemos como este campo emergente de pesquisa se desenvolveu ao longo da década passada, e identificamos quatro características básicas da crença em teorias da conspiração. Especificamente, as teorias da conspiração têm conseqüências, na medida em que têm um impacto real sobre a saúde, os relacionamentos e a segurança das pessoas; são universais, na medida em que a crença nelas se estende através dos tempos, culturas e ambientes sociais; são emocionais, dado o fato de que são causadas por emoções negativas, não por deliberações racionais; são sociais, uma vez que crenças conspiratórias estão intimamente associadas a motivações sociais subjacentes a conflitos intergrupos. A partir daí, discutimos a pesquisa futura e as possíveis políticas intervencionistas nesta crescente área de pesquisa.
Palavras-chave: teorias da conspiração, conseqüências, universal, emoções, conflito intergrupo
“I know things they don’t know!”: The role of need for uniqueness in belief in conspiracy theories (Eu sei, eles não!: O papel da necessidade de singularidade na crença em teorias da conspiração)
A. Lantian, D. Muller, C. Nurra, & K. M. Douglas
Social Psychology, 48.3, jul/2017. pp.160-173.
Resumo: Na pesquisa corrente, investigamos se a crença em teorias da conspiração satisfaz a necessidade de singularidade. Concluímos que a tendência a acreditar em teorias da conspiração está associada à sensação de possuir pouca informação sobre as situações explicadas por estas teorias (Estudo 1) e a mais alta necessidade de singularidade (Estudo 2). Outros dois estudos usando duas manipulações diferentes da necessidade de singularidade (Estudos 3 e 4) mostram que pessoas com alta necessidade de singularidade demonstram possuir crenças conspiratórias mais fortes que pessoas com baixa necessidade de singularidade. A conclusão é ratificada por uma meta-análise de pequena escala. Estes estudos sugerem que as teorias da conspiração podem servir ao propósito destas pessoas de se sentirem únicas, enfatizando um alicerce motivacional da crença conspiratória.
Palavras-chave: teorias da conspiração, necessidade de singularidade, crença, processos motivacionais
Relationships between conspiracy mentality, hyperactive agency detection, and schizotypy: Supernatural forces at work? (Relações entre mentalidade conspiratória, detecção hiperativa de agência e esquizotipia: Forças sobrenaturais em ação?)
Janvan der Tempel & James E.Alcock
Personality and Individual Differences, vol.82, ago/2015, pp.136-141.
Resumo: Examinamos se uma tendência excessivamente ativa em perceber agência no ambiente pode prever a crença em teorias da conspiração; nossa hipótese é que esta associação é especialmente forte em indivíduos altamente esquizotípicos. Amostras de estudantes de graduação (n=209) e visitantes de sites conspiracionistas (n=37) forneceram medidas de mentalidade conspiratória, detecção hiperativa de agência e esquizotipia. A análise da correlação indicou relações significativamente positivas entre todos os pares de variáveis em ambos os grupos. A análise de regressão múltipla demonstrou que a esquizotipia é incrementalmente previsível pela mentalidade conspiratória e pela detecção hiperativa de agência; a análise qui-quadrado revelou uma tendência de indivíduos com alta esquizotipia a obterem maior pontuação para ambas as variáveis. Insegurança acentuada acerca de experiências subjetivas causalmente ambíguas predispõe sujeitos esquizotípicos a maior hiperatividade no mecanismo de detecção de agência, aumentando assim a probabilidade de pensamento conspiratório. Estas descobertas estão relacionadas a diferenças ideológicas e teóricas entre crenças conspiratórias seculares e sobrenaturais, que já são aparentes na literatura e nas comunidades conspiracionistas, e apontam para o questionamento do construto da homogeneidade da mentalidade conspiratória.
Palavras-chave: agência, esquizotipia, sobrenatural