Bestiário ou Cortejo de Orfeu (Le Bestiaire ou Cortège d’Orphée), Guillaume Apollinaire (18-23)
Minha tradução dos poemas décimo oitavo a vigésimo terceiro do Bestiário ou Cortejo de Orfeu, de Guillaume Apollinaire.
(18)
Orfeu (3)
Teu coração a isca, e o céu piscina fosse!
Pecador, peixe qual, no mar ou n’água doce,
Haverá que se iguale, em forma ou em sabor,
Ao santo peixe que é JESUS, meu Salvador?
(19)
O golfinho
Golfinho, brincas no oceano,
Porém a vaga é um desengano.
Minha alegria apareceu?
Ainda a vida me é cruel.
(20)
O polvo
A tinta aos céus vai atirando,
O sangue amado vai sugando,
E muito o julga delicioso:
Sou eu um tal monstro horroroso.
(21)
A água-viva
Ó água-viva, ó infeliz,
Tua roxa coma te condiz;
Borrascas amas, duras, gris,
E como as queres, sempre as quis.
(22)
O lagostim
Ó Incertezas, caros bens,
Vamos os dois, se vou, tu vens,
Qual lagostim junto a maré,
De marcha ré, de marcha ré.
(23)
A carpa
Em teu viveiro ou criadouro,
Ó carpa, de tão triste agouro,
Bem o percebo, és bem longeva:
Será que a morte não te leva?
Nota do tradutor
(18.2)
pécheur
(pecador)
Os homófonos pécheur (pecador) e pêcheur (pescador) por pouco escapam da homografia; em contexto francófono, a homofonia talvez sugira que o pecador se converta em pescador e aceite o santo peixe. Ainda que por mera coda silábica, porém, os equivalentes lusófonos não são nem homófonos, nem homógrafos, de modo que, ao empregar em tradução o termo ortograficamente preferido do autor, não ocorre o mesmo deslizamento semântico.






Xilogravuras de Raoul Dufy: (18) Orfeu; (19) O Golfinho; (20) O Polvo; (21) A Água-viva; (22) O Lagostim; (23) A Carpa.