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Bestiário ou Cortejo de Orfeu (Le Bestiaire ou Cortège d’Orphée), Guillaume Apollinaire (7-12)

Minha tradução dos poemas sétimo a décimo segundo do Bestiário ou Cortejo de Orfeu, de Guillaume Apollinaire; seguem-se as notas do tradutor e minhas notas de tradução.
Bestiário ou Cortejo de Orfeu (Le Bestiaire ou Cortège d’Orphée), Guillaume Apollinaire (7-12)
Photo by Gary Bendig / Unsplash

(7)
O leão

Que triste imagem, ó leão,
És dum monarca derrotado,
E agora nasces enjaulado
Num zoológico alemão.


(8)
A lebre

Não sejas lascivo e assustado,
Qual lebre macho e o apaixonado.
Que a tua mente se mantenha
Qual lebre prenhe que se emprenha.


(9)
O coelho

Sei dum outro coelhinho,
Vivo quero pôr-lhe a mão!
No tomilho faz seu ninho,
Lá no País da Paixão.


(10)
O dromedário

Com seus quatro dromedários,
Dom Pedro de Alfarrobeira
Admirou a terra inteira.
Fez o que eu fazer quisera,
Se tivesse dromedários.


(11)
O rato

Tempo, tempo és um ratinho,
Róis a vida de mansinho.
Vinte e oito de nascido,
E vivi tão mal vivido!


(12)
O elefante

Como o mármore o elefante,
Trago à boca um bem valioso.
Glória—púrpura minguante!—
Pago-a em verso melodioso.


Notas do autor

(8.4)

La hase pleine qui conçoit.
(Qual lebre prenhe que se emprenha)

 Na família da lebre, a superfetação é possível.

 (10.1-3)

Avec ses quatre dromedaires,
Don Pedro d’Alfarrobeira
Courut le monde et l’admira.

(Com seus quatro dromedários,
Dom Pedro de Alfarrobeira
Admirou a terra inteira.)

O célebre relato da viagem, intitulado Historia del infante D. Pedro de Portugal, en la que se refiere lo que le sucedió en el viaje que hizo cuando anduvo las siete partes del mundo compuesta por Gómez de Santisteban, uno de los doce que llevó en su compañía el infante, conta que o infante de Portugal, D. Pedro de Alfarrobeira, pôs-se em viagem com doze companheiros a visitar as sete partes do mundo. Esses viajantes, montados em quatro dromedários, após haverem passado pela Espanha, foram à Noruega, dali à Babilônia e à Terra Santa. O príncipe português visitou ainda o reino do Preste João e retornou a seu país ao final de três anos e quatro meses.


Notas do tradutor

(8. Nota do autor)

superfetation
(superfetação)

Concorrência de gestações em estágios distintos num mesmo organismo gestante.

(9.4b)

pays du Tendre
País da Paixão

O Mapa do país da ternura (Carte du pays de Tendre), atribuído a François Chauveau, é uma representação cartográfico-alegórica do amor, que figura no romance histórico Clélie, escrito pela romancista preciosista Mademoiselle de Scudéry (1607-1701). O Preciosismo é o movimento literário do século XVII francês, dedicado ao refinamento da língua e dos costumes. Alternativamente, Max de Carvalho (2012) traduz por pays du Tendre a expressão condado do Amor num poema de Marcos Konder Reis.

(10.2)

Don Pedro d’Alfarrobeira
(Dom Pedro de Alfarrobeira)

Dom Pedro de Alfarrobeira, ou Pedro de Portugal (1392-1449), primeiro duque de Coimbra e infante da dinastia Avis; conhecido como Infante das Sete Partidas por suas viagens, contam-se lendas sobre sua visita à Terra Santa; morre durante a Batalha de Alfarrobeira, a 20 de maio de 1449, contra o rei Afonso V, seu sobrinho.

(10. Nota do autor)

Prêtre Jean
(Preste João)

Preste João é um lendário rei cristão do Oriente, cujo reino ficaria na Ásia ou na África; os reis ocidentais lutando contra o islã tentaram contatá-lo, incluindo aí D. João II de Portugal (1455-1495, reinado 1481-1495), que, em 1487, enviara Afonso de Paiva à Etiópia, em busca de confirmação de se tratar do reino do lendário monarca; Paiva morreu antes de retornar a Portugal, mas Pêro de Covilhã, seu companheiro de viagem, de quem se separara quando Covilhã rumou à Índia, chegou à Etiópia. Em 1540, o clérigo português Francisco Álvares, que encontrara Covilhã na Etiópia, publicaria sua Verdadeira informação das terras do Preste João das Índias, descrevendo povo e costumes etíopes.

Bestiário ou Cortejo de Orfeu (Le Bestiaire ou Cortège d’Orphée), Guillaume Apollinaire (1-6)
Minha tradução dos seis primeiros poemas do Bestiário ou Cortejo de Orfeu, de Guillaume Apollinaire; seguem-se as notas do tradutor e minhas notas de tradução.