Uriel, Ralph Waldo Emerson
Aconteceu no antigamente,
Que fita a mente merencória,
Antes que o Tempo em si cunhara
Dias, meses, divisórias.
Foi a queda de Uriel,
Que caiu dos altos Céus.
Entre as Plêiades andando,
Deus ouve os anjos conversando;
Traição, antes latente,
Ora, tornou-se-Lhe evidente.
Discutiam qual a norma
Inerente a Metro e Forma,
E sobre esfera e quintessência,
Quanto é real, quanto aparência.
Um deles, em tom decidido,
Duvida o saber recebido;
Com o olhar de quem conhece,
Que aos demônios estremece,
Murmura a opinião que mantinha,
Negando a existência da linha:
Não há linhas em Natura,
O universo é curvatura;
Pois volta, vai o raio em vão,
O gelo arde, e salva a danação.
Quando o disse, mui seguro,
Treme o céu e põe-se escuro;
Deus da guerra, mui sisudo,
Franze o cenho e sobe o escudo;
Querubim, em mirto ao leito,
Fecha a cara e aperta o peito.
A sacrossanta associação
Julga aziaga a afirmação.
Quebra a balança do Destino,
Do bem e o mal o linde fino.
Nem o Orco mesmo se controla,
E confusão a tudo assola.
E uma autoconsciência minguante
Ao belo Uriel tomou no instante,
E ao deus, outrora eminente,
Nuvem cobre, evanescente;
Quiçá condenado a girar
Da geração no infindo mar;
Saber, talvez, tanto o abrilhante
Que às flébeis retinas quebrante.
Ato contínuo, sopra um vento
De completo esquecimento:
No lábio celestial dorme o segredo,
Gérmen de fogo em cinza de degredo.
Mas coisa ou outra, aqui e ali,
Fala a verdade sobre si,
E, quando a ouve, o anjo vexado
Pela asa alerta é acobertado;
E estride n’órbita solar,
N’água veloz ou devagar,
Nos nexos vários do elo químico,
Na procissão do sopro anímico,
No mal ao bem nascido, então,
A voz de Uriel em derrisão,
E aos celestiais, faz-lhes corar—
Porquê, nenhum sabe explicar.
