Dois Lázaros, Chinua Achebe & Sylvia Plath
Lázaro (Lazarus)
Chinua Achebe
Conhecemos a alegria esfolegante
das irmãs quando a palavra se espalhou:
ressuscitou! Mas um homem que viveu
uma vida inteira terá outros com
quem se haver além das irmãs. Certamente,
ao ávido assistente que ascendeu
à sua mesa no escritório, tal ressurreição
será embaraçosa… O malfadado povo
de Ogbaku sabe o terror que sentiu quando
o mal bicéfalo pisou em sua estrada.
Não teria sido fácil retomar
as clavas pintalgadas de sangue que outrora
abandonaram; ou dar as costas ao corpo
espancado do advogado, caído ao lado
da limusine espancada pra dar cabo
de um dos seus, mexendo-se de supetão
em ressurreição esbugalhada… Quão bem
compreendiam, os aldeões de cara amarrada,
outra vez brandindo as armas encarnadas,
quão bem compreendiam que ao se reerguer
o membro de seu clã vingado em assassínio
lhes daria as costas, confraternizando
outras lealdades, e os acusaria,
e dum sopro apagaria seus clamores
e justificativas! Então, mataram-no
uma segunda vez no despontar
duma promissora ressurreição.
Fonte: Collected Poems (Anchor, 2004).
Madame Lázaro (Lady Lazarus)
Sylvia Plath
Fiz de novo.
Uma vez em cada dez anos
Dou um jeito…
Quase um milagre ambulante, a pele
brilhante abajur nazista,
o pé direito, um peso
De papel, o rosto
Um linho judeu,
Fino e sem formas.
Tira as gazes,
Ó meu inimigo.
Causo-te horror?…
O nariz, as órbitas, a arcada dentária?
O bafo azedo
Logo some.
Logo, logo me sinto
em casa na carne
que a cova comeu.
Eu, mulher risonha.
De apenas trinta.
E, feito um gato, tenho nove mortes.
Esta foi a de número três.
Que porqueira
Aniquilar-se a cada década.
Que milhão de filamentos.
A multidão se apinha pra me ver
Comendo amendoim.
Desenrolam-me inteira—
O grande strip-tease.
Senhoras e senhores,
Eis-me as mãos,
Os joelhos,
Posso ser pele e osso,
Entretanto, sou a mesma mulher de antes.
Na primeira vez, eu tinha dez.
Foi acidente.
A segunda era pra ser
permanente, sem volta.
Fechei-me
Feito concha.
Tiveram que chamar e chamar
E tirar os vermes feito pérolas peguentas.
Morrer
É uma arte, como tudo o mais.
Domino-a deveras.
Morro pra seja um inferno.
Morro pra que seja a morte.
Pode-se dizer que é minha vocação.
É fácil demais numa cela.
É fácil demais morrer e ficar morta.
É a teatralidade
Da volta em plena luz do dia
Ao mesmo lugar, ao mesmo rosto, ao mesmo grito
Bruto e espantado:
É um milagre!
Isso me derruba.
Avança o pelotão
Vem ver-me as chagas, avança o pelotão
Querendo uma palavra ou toque
Ou gota de sangue
Ou mecha ou pedaço de roupa;
Pois então, Herr Doktor
Pois então, Herr Feind.
Sou obra tua,
Tua preciosidade,
Neném d’ouro puro
Que um grito derrete.
Giro e ardo.
Não penses que faço pouco de teu muito zelo.
Cinzas, cinzas…
Cutucas e revolves.
Carne, osso, não ha nada…
Uma barra de sabão,
Um anel de noivado,
Uma obturação de ouro.
Herr Gott, Herr Luzifer
Cuidado
Cuidado.
Das cinzas,
Levanto a ruiva coma, a rubra face,
E homens devoro como os respirasse.