Escrevendo para o mundo: é possível preparar meu texto para ser traduzido?

Escrevendo para o mundo: é possível preparar meu texto para ser traduzido?
Photo by Lucas George Wendt / Unsplash

Em tese, a tradução de um texto deve ocorrer independentemente de seu conteúdo: quero dizer com isso que nenhum tipo de conteúdo deve ser empecilho à tradução.

Normalmente, pensamos na tradução da seguinte maneira: um autor escreve numa língua A para um público-meta; o tradutor atua como mediador, oferecendo-o em língua B a um novo público. Conseqüentemente, o público do tradutor não é o público original a que o texto se destinava, portanto tem a responsabilidade de contornar problemas de recepção resultantes de diferenças culturais ou de conhecimento compartilhado entre autor e leitor.

Mas essa situação—comum, por exemplo, quando traduzimos textos mais antigos, filosóficos, literários, históricos—não contempla a totalidade dos casos. Existem situações nas quais o público-meta já nasce multilingüe; nas quais nos dirigimos desde o começo um público internacional: obras de ficção, jogos eletrônicos, produtos digitais, manuais de instrução, contratos, documentos de órgãos internacionais, etc. podem ser lançados de uma só vez em várias línguas para vários mercados.

Também é possível escrever o texto em uma língua já tendo em vista, desde o começo, que será traduzido para outra—especialmente o inglês, tomado como língua franca de comunidades profissionais ou acadêmicas internacionais.

Se, na primeira situação, o autor normalmente não se importa (muitas vezes, nem poderia) em escrever para um público que não leia a língua do texto, nas outras duas, não é incomum que a necessidade de tradução impacte a redação do texto desde o princípio. Isso faz muito sentido: afinal, se sei que meu texto será traduzido, se sei, desde o começo, que contará com um público internacional, parece razoável tentar escrever com esse público em mente.

Prever os problemas que um público tão amplo pode ter para compreender nosso texto não é tarefa fácil, mas é possível lançar mão de algumas estratégias que otimizem o processo de tradução. Aqui vão algumas delas:

Se você já sabe que seu artigo será traduzido e oferecido diretamente língua estrangeira, reflita sobre as informações das quais seu público meta não dispõe:

  • Num artigo sobre geografia, a região da qual você está falando é internacionalmente conhecida, ou precisa ser apresentada?
  • Num artigo sobre direito, política ou economia, as instituições sendo mencionadas são internacionalmente conhecidas? Seu funcionamento necessita de esclarecimentos?
  • Num artigo sobre educação, o sistema educacional sendo discutido difere de outros sistemas em pontos importantes?
  • Num artigo sobre história, as personagens e eventos mencionados são de conhecimento internacional ou mais local?
  • Num artigo sobre literatura ou linguística, o público-alvo dispõe dos conhecimentos necessários para compreender peculiaridades da língua cedo sendo estudada, ou na qual uma determinada obra foi escrita?

Também é importante prestar atenção às citações diretas sendo feitas—que, como já tive oportunidade de pontuar, devem ser reduzidas ao mínimo indispensável—:

  • A citação feita na mesma língua do artigo é, ela mesma, uma tradução?
  • Seria possível fornecer as citações já na língua para qual o texto será traduzido?
  • A citação é feita numa língua estrangeira? É para essa língua que o artigo será traduzido? O tradutor terá condições de verter a citação?
  • Como funcionam os direitos autorais na língua-meta? Será necessário pedir permissão para utilizar a citação?

Finalmente, mesmo que seu artigo não seja publicado na língua em que foi escrito, pode ser uma boa idéia mandar revisá-lo antes que seja traduzido, para evitar problemas interpretação oriundos de problemas relacionais.

Seguramente, independentemente das escolhas do autor, será responsabilidade do tradutor encontrar uma solução para elas. Mesmo assim, é importante lembrar que determinadas escolhas podem impor ao tradutor um grau mais elevado de intervenção na redação final do texto traduzido—gerando paráfrases, suplementando dados, substituindo textos, etc. É importante estar aberto ao diálogo com o tradutor para encontrar uma solução conjunta para esses problemas, mas melhor seria tentar evitá-los—especialmente se você tem pressa.

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