O mito do professor nativo: entrevista com Maria-Cristina Micelli Fonseca

O mito do professor nativo: entrevista com Maria-Cristina Micelli Fonseca
Photo by Ellen Qin / Unsplash

É muito comum as pessoas pensarem que, para se aprender uma língua estrangeira, é necessário ou ter aulas com professores nativos daquela língua, ou viajar para um país onde seja falada como língua materna. Mas será que isso é mesmo verdade?

Conversamos com Maria-Cristina Micelli Fonseca, pesquisadora na área de aquisição de segunda língua, e fizemos a ela algumas perguntas relativas a esta crença tão difundida.

Existem diferenças entre aprender uma língua estrangeira com professores nativos e professores não-nativos da língua em questão?

A priori, não. Mas ser nativo não basta: se a pessoa não for minimamente escolarizada, pode ensinar coisas equivocadas. Além disso, o professor de língua estrangeira recebe formação especial para tal fim. O estrangeiro, mesmo que seja professor de língua, se não tiver experiência com ensino de língua adicional, pode criar problemas que só serão identificados muito tempo depois.

Há vantagens ou desvantagens específicas associadas a professores nativos ou não-nativos?

A vantagem vendida pelas escolas de idioma é a fluência, que pode fazer alguma diferença se o aluno já for avançado. Para os iniciantes, pode ser até prejudicial, porque se o nativo não tiver experiência com iniciantes, pode tornar ainda mais difícil a compreensão.

Existem casos nos quais seria melhor ou mais aconselhável ter aula com um falante nativo, ou com um não-nativo?

A fluência do nativo pode ser uma vantagem para alunos a partir do Upper Intermediate. Mas não é regra.

Muitas pessoas acham que, para aprender bem uma língua estrangeira, é necessária uma experiência de imersão: viajar a um país onde se fale essa língua. A imersão é verdadeiramente eficiente?

A imersão pode ser vantajosa para alunos avançados porque conseguem compreender a maior parte da língua a que estão expostos. O fato de estar em permanente imersão na língua faz com que entre em contato com palavras e construções muitas vezes, facilitando a memorização e futura produção. A psicolinguística mostra que pessoas que falam duas ou mais línguas, quando se preparam para falar, ativam as duas ou mais línguas.

O cérebro humano possui um sistema inibitório, que bloqueia uma língua, deixando que a outra saia. Geralmente, a língua materna é a mais usada, o que torna o esforço para mantê-la contida bem grande. Na situação de imersão, a língua materna fica contida por um longo período, o que dá espaço para a língua estrangeira. Pessoas que ficam falando apenas a língua estrangeira costumam ter o problema inverso, problemas para conter a língua estrangeira. Os psicolinguistas que trabalham com L2 costumam dizer que são necessários 14 meses de imersão para já se poder ter as intuições linguísticas do nativo. A questão é: por que precisamos de toda essa fluência? Pode se falar muito bem, se expressar na língua estrangeira sem tudo isso. As empresas que vendem cursos “professores norte-americanos”, viagens para aprender inglês, na verdade, se aproveitam do complexo de inferioridade de muitos brasileiros, que querem ser o outro, e assim, querem falar como os atores nos filmes americanos.