O que é um “erro crasso” em tradução?

O que é um “erro crasso” em tradução?
Photo by Daniela Holzer / Unsplash

Por mais competente e tarimbado que seja, qualquer profissional pode errar; ninguém está livre de oferecer ou receber diagnósticos falhos, informações equivocadas, consertos mal-feitos e, claro, traduções indevidas. Justamente por isso, o profissional deve estar atento, para poder detectar os próprios deslizes e corrigi-los—se não na mesma ocasião, em ocasiões futuras.

Tentar definir o que seria um erro crasso em qualquer área pode parecer  tolo ou supérfluo, pois, em princípio, crasso significa “grosseiro”, ou seja, demasiadamente errado para não saltar à vista. Mas pode não ser bem assim; na verdade, o erro crasso tradutório pode ser invisível a olho nu, ao menos para o não-especialista. É o que gostaria de demonstrar—em particular como lembrete ao tradutores iniciantes.

O cansaço, a sobrecarga, os prazos ínfimos e a proximidade demasiada ao texto podem levar mesmo um tradutor experiente a uma solução menos feliz, ou a um equívoco ao qual, em circunstâncias normais, jamais cometeria. Não é polido para com o colega nem vantajoso à classe desqualificar um tradutor pela detecção de um erro. Nossos telhados são todos de vidro, embora resistente.

Tradutores neófitos, entretanto—especialmente quando ainda lhes falta proficiência na língua-meta—, podem cometer um outro erro, e é este que me parece o erro crasso tradutório, pois é a origem de qualquer outro: a falta de desconfiança.

Um tradutor menos versado em francês pode se deparar com, digamos, trombone e, mesmo sem compreender direito, traduzir pelo cognato. Trombone, em francês, de fato, designa o instrumento de sopro da família dos metais, mas não somente; trata-se também de um clipe de papel; são coisas tão diferentes, pode-se pensar, que seria impossível confundi-las. De fato, um tradutor experiente do francês estaria menos propenso a isso; a um tradutor neófito, experimentando-se na (e ainda aprendendo a) língua, em alguns contextos, pode faltar a desconfiança de que deve, sim, olhar num dicionário inúmeras palavras que julga conhecer. Também não devemos descartar a possibilidade de contextos mais opacos, nos quais mesmo alguém mais escolado possa se confundir.

O erro crasso ocorre necessariamente com falso cognatos, mas com cognatos verdadeiros que assumem significado ligeiramente distinto do que conhecemos, embora bastante próximo. Manter-se atento ao que não parece fazer sentido completo, àquele verbo ou substantivo que quase se encaixa ali ajuda o tradutor desconfiado e evitar soluções apressadas. O dicionário deve ser consultado, e nunca é demais checar novamente uma palavra que conhecemos e usamos.

Um tradutor absolutamente verde, iniciante e pouco proficiente, pode errar pelo decalque excessivo e pelo uso de falsos cognatos; o tradutor já profissional, mas ainda inexperiente, precisa, para evitar erros já talvez menos perceptíveis mas igualmente sérios, desenvolver a capacidade de desconfiar do texto e das palavras, e confirmar seus conhecimentos sempre que algo parecer ligeiramente fora do lugar.