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Autoplágio existe?

Pode soar contraditório, mas autoplágio existe e é uma acusação legítima. Como evitá-la ao redigir ou traduzir artigos científicos?
Autoplágio existe?
Photo by Markus Winkler / Unsplash

Hoje pela manhã, em conversa com um cliente, foi-me perguntado sobre autoplágio. Estranho como pareça o termo—afinal, ocorre plágio em sentido estrito quando um autor faz passarem idéias ou textos alheios por seus originais—, o problema ético subjacente é real:

Autoplagiar-se é dar a entender que trechos de um texto, ou textos inteiros, estão sendo publicados por primeira vez, quando, na verdade, já foram publicados anteriormente pelo mesmo autor, sendo da autoria deste. No autoplágio, o problema de originalidade não está na simulação de autoria, mas na de ineditismo.

Ernesto Spinak escreveu um texto bastante esclarecedor sobre as incertezas e dificuldades cercando a prática de reaproveitamento do próprio trabalho—inclusive, por meio da tradução.

Ética editorial e o problema do autoplágio | SciELO em Perspectiva
Se o autor copia um texto sem indicar o autor que o escreveu é considerado plágio, mas... o que acontece se você copiar suas próprias obras e não indicar? Autoplágio não é um crime de propriedade intelectual, mas é uma falta de ética na comunicação científica. É possível reutilizar seu próprio material? Até que ponto um trabalho pode ser incorporado a partes de trabalhos anteriores?

Aqui, limito-me a diretrizes básicas para, em nossas práticas redacionais, distinguirmos entre autoplágio e simples repetição de idéias:

  • Quando repetimos um trecho de trabalho anterior nosso, autocitar-se pode parecer melhor modo de evitar a acusação. Como pontuei anteriormente, porém, a autocitação também não vem livre de problemas. Certifique-se, portanto, que a repetição é, mais que necessária, indispensável.
  • Quando a idéia repetida é relativamente trivial, ou o trecho é pequeno, a acusação, muito provavelmente, será afastada; tampouco justificaria a autocitação. Nestes casos, melhor seria se perguntar: preciso mesmo oferecer esta informação ou fazer este comentário?
  • Se as repetições são demasiadamente extensas, seja numa seção, seja esparsamente ao longo do texto inteiro, tamanho reaproveitamento põe em questão a necessidade mesma do texto “inédito”. A remota chance da duplicata seria apender-lhe uma nota informando tratar-se de ampliação ou reforma de texto anterior—caso o periódico em questão, de fato, publique textos não-inéditos, o que poucos fazem.
  • Se for uma tradução, é imprescindível apender a informação de que se trata de uma tradução, e fornecer a referência completa do texto-fonte. Aqui, o mecanismo de autoplágio é claro: o processo de redação textual de um artigo científico envolve etapas de planejamento, pesquisa e redação substancialmente distintas da redação de uma tradução (que, como talvez seja perceptível, sequer parece aceitar bem a noção de que é “redigida”, embora o seja).

O maior problema concernente ao autoplágio, em meu entendimento, é a inflação de evidência, distorcendo a percepção dos leitores do corpo de pesquisas que endossa determinado argumento; esta preocupação foi pontuada por Spinak, a quem cito abaixo:

o resultado de um estudo clínico publicado em vários locais poderia atrair mais citações no agregado estatístico e daria “mais força” às conclusões do experimento. […] § Este problema […] pode ser prejudicial em biomedicina. Se o artigo é sobre a eficácia de um novo medicamento, essa estratégia pode servir para promover os interesses acadêmicos e/ou comerciais de quem está por trás da pesquisa. A publicação redundante dá ênfase exagerada à importância das descobertas dando aos leitores desavisados uma ideia superestimada da eficácia das intervenções ou dos ensaios clínicos.

Como a autocitação, como a explicitação do nome do tradutor em artigos traduzidos, o autoplágio envolve questões de metodologia científica e honestidade intelectual. Se, por um lado, é impossível sermos originais o tempo inteiro, por outro, devemos ter cuidado acerca de como e quanto nos repetimos, e, sobretudo, quais são os interesses que motivam nosso reaproveitamento de nosso próprio trabalho.

Quando devo fazer autocitações?
Na redação de artigos científicos, citar-se a si mesmo ou o próprio trabalho é apenas um prazer culposo? Um pecado venial? Algo a ser evitado a todo custo?
Como dar crédito ao tradutor de seu artigo científico?
Já me posicionei anteriormente sobre a importância ética e metodológica de os tradutores receberem crédito por seu trabalho na tradução de resumos, teses, dissertações, livros e artigos científicos; também já comentei sobre as vantagens de se pensar em incluir tradutores em equipes de pesquisa. Infelizmente, o meio acadêmico ainda parece