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John Milton, Sonetos italianos

John Milton, Sonetos italianos

Entre abril ou maio de 1638 e agosto de 1639, o poeta ingês John Milton realiza sua viagem européia, visitando a França e a Itália; menos empolgado com aquela, demora-se mais nesta, onde trava contato com os intelectuais de Roma, Florença e Nápoles. Aproximadamente oito anos antes, porém, o interesse de Milton pela Itália e por seus poetas—Petrarca em especial—assumiria a forma de seis poemas, cinco sonetos e uma abreviada canzone, datados pela crítica entre 1629 e 1630.

Nestes poemas, além da temática amorosa—à qual um Milton mais maduro deixará de lado em prol de temas políticos e religiosos—, chama atenção a tematização do próprio e duplo aprendizado do poeta, aventurando-se na língua italiana, e nas formas poéticas nela originadas. Também podemos neles notar a inventividade das combinações rimáticas (na canzone e nos tercetos finais dos sonetos), e certo desalinho ousado entre as seqüências temáticas e estrofes, por um lado, e as rebeldes rimas, por outro.

Como tradutor, de certa forma, repito a empreitada de Milton, traduzindo-o fora das fronteiras da língua inglesa—na qual, conforme profetizara em italiano, colherá seus imortais louros.

A edição italiana abaixo é reproduzida do John Milton Reading Room, editado por Thomas Luxon; foram utilizadas, como edições de apoio, as edições de John Carey, Roy Flannagan, Merritt W. Hughes e John T. Shawcross. Note-se que a enumeração dos sonetos segue a ordem estabelecida na edição de 1673 de seus poemas.


Soneto 2

“Donna leggiadra”

Donna leggiadra il cui bel nome honora
L’herbosa val di Rheno, e il nobil varco,
Ben è colui d'ogni valore scarco
Qual tuo spirto gentil non innamora,

Che dolcemente mostra si di fuora
De suoi atti soavi giamai parco,
E i don’, che son d'amor saette ed arco,
La onde l’alta tua virtù s’infiora.

Quando tu vaga parli, o lieta canti
Che mover possa duro alpestre legno,
Guardi ciascun a gli occhi, ed a gli orecchi

L’entrata, chi di te si truova indegno;
Gratia sola di su gli vaglia, inanti
Che’l disio amoroso al cuor s’invecchi.

“Grácil senhora”

Grácil senhora, cujo nome é honor
da nobre vau e verde vale ao Reno,
certamente é daquele bem pequeno
que não se te enamora o seu valor;

alma gentil, que expõe-se exterior
por gesto nunca escasso e sempre ameno,
por dons que são de Amor arsenal pleno,
onde alta tua virtude se abre em flor.

Leda e bela, com fala ou melodia
possas mover o duro lenho alpino;
bem guarde qualquer um ouvido e olho

se não te merecer: favor divino
contra amoroso afã lhe dê valia,
que não lhe invada o cor e i ganhe acolho.


Soneto 3

“Qual in colle aspro”

Qual in colle aspro, al imbrunir di sera
L’avezza giovinetta pastorella
Va bagnando l’herbetta strana e bella
Che mal si spande a disusata spera

Fuor di sua natia alma primavera,
Cosi Amor meco insù la lingua snella
Desta il fior novo de strania favella,
Mentre io di te, vezzosamente altera,

Canto, dal mio buon popol non inteso
E’l bel Tamigi cangio col bel Arno.
Amor lo volse, ed io a l’altrui peso

Seppi ch’Amor cosa mai volse indarno.
Deh! foss’il mio cuor lento e’l duro seno
A chi pianta dal ciel si buon terreno.

“Em rudo outeiro”

Em rudo outeiro, se ao entardecer
nativa pastorinha vai regando
miúda uma mudinha que estranhando
solo estrangeiro custa a florescer,

longínqua ao clima que lhe fez nascer,
assim Amor me a língua vai guiando,
e flor de fala nova despertando
enquanto altiva e bela teu bel’ ser

canto, meu povo não me entenda embora,
meu Tâmisa pelo Arno preterido.
Amor o quer, e alheia dor perora

que Amor nunca quis cousa sem sentido.
Ah! Tão bom solo seja e tão fecundo
meu peito ao Semeador do Céu oriundo.


Canzone

Ridonsi donne e giovani amorosi
M’accostandosi attorno, e perche scrivi,
Perche tu scrivi in lingua ignota e strana
Verseggiando d’amor, e come t’osi?
Dinne, se la tua speme si mai vana,
E de pensieri lo miglior t’arrivi;
Cosi mi van burlando, altri rivi
Altri lidi t’aspettan, & altre onde
Nelle cui verdi sponde
Spuntati ad hor, ad hora la tua chioma
L’immortal guiderdon d’eterne frondi
Perche alle spalle tue soverchia soma?
  Canzon dirotti, e tu per me rispondi
Dice mia Donna, e’l suo dir, è il mio cuore
Questa è lingua di cui si vanta Amore.

Canzone

De mim moços e moças rindo em roda
perguntam: “Por que vais versificando
d’amor em língua que não é a tua;
acaso, ousado, diz-nos se esperando
melhor fortuna estás, se te acomoda
razão mais limpa, ou rima menos crua.”
Com tais dizeres vão-me bolinando:
“Outras as praias são, outros ribeiros
que os louros imortais e prazenteiros
à tua espera estão a verdejar,
que te a coma hão de adornar.
Por que tal fardo então te impões às costas?”
  Canção, do que direi farás resposta:
“Diz-me a Donzela, cuja voz me é o cor:
‘É desta língua que se orgulha Amor.’”


Soneto 4

“Diodati, e te’l dirò”

Diodati, e te’l dirò con maraviglia,
Quel ritroso io ch’amor spreggiar soléa
E de suoi lacci spesso mi redéa
Gia caddi, ov’huom dabben talhor s’impiglia.

Ne treccie d’oro, ne guancia vermiglia
M’abbaglian sì, ma sotto novia idea
Pellegrina bellezza che’l cuor bea,
Portamenti alti honesti, e nelle ciglia

Quel sereno fulgor d’amabil nero,
Parole adorne di lingua piu d’una,
E’l cantar che di mezzo l’hemispero

Traviar ben può la faticosa Luna,
E degli occhi suoi auventa si gran fuoco
Che l’incerar gli orecchi mi fia poco.

“Diodati, a ti direi”

Diodati, a ti direi que amor, não sem
susto de quem desprezou-lhe a destreza,
venceu a quem vencê-lo era certeza,
tal como faz mesmo a homens de bem.

Não mechas d’ouro ou róseas faces vêm
a me encantar, mas forânea beleza,
elevado ademão de grã leveza,
e cílios que um tão calmo fulgor têm

que o coração apraz, lábio que alterna
entre línguas mais de uma e um tal cantar
que a meio do caminho desgoverna

laborioso o alvo carro do luar,
e do olho fulge um fogo tão ardente
que os ouvidos vedar é insuficiente.


Soneto 5

“Per certo i bei vostr’occh”

Per certo i bei vostr’occh Donna mia
Esser non puo che non sian lo mio sole
Sì mi percuoton forte, come ei suole
Per l’arene di Libia chi s’invia,

Mentre un caldo vapor (ne senti pria)
Da quel lato si spinge ove mi duole,
Che forse amanti nelle lor parole
Chiaman sospir; io non so che si sia:

Parte rinchiusa, e turbida si cela
Scosso mi il petto, e poi n’uscendo poco
Quivi d’attorno o s’agghiaccia, o s’ingiela;

Ma quanto a gli occhi giunge a trovar loco
Tutte le notti a me suol far piovose
Finche mia Alba rivien colma di rose.

“Senão teus olhos”

Senão teus olhos nada poderia,
por belos, ser meu sol, minha Senhora;
me em cheio atingem, como a quem explora
da Líbia imensa as arenosas vias.

Um tal vapor (que antes não sentia)
mui quente onde me dói o peito espora;
suspiro apoda-lhe o amante, embora,
por mim, um nome a dar-lhe não teria.

Recluso o bafo e túrbido, embuçado
sacode o peito, e um tanto então vazando
quanto há em torno deixa regelado,

e quanto dele aos olhos vai galgando,
noturno o céu faz sempre chuviscar,
até minh’Alba o vir de rosa ornar.


Soneto 6

“Giovane piano”

Giovane piano, e semplicetto amante
Poi che fuggir me stesso in dubbio sono,
Madonna a voi del mio cuor l’humil dono
Farò divoto; io certo a prove tante

L’hebbi fedele, intrepido, costante,
De pensieri leggiadro, accorto, e buono;
Quando rugge il gran mondo, e scocca il tuono,
S’arma di se, e d’intero diamante,

Tanto del forse, e d’invidia sicuro,
Di timori, e speranze al popol use
Quanto d’ingegno, e d’alto valor vago,

E di cetra sonora,e delle muse:
Sol troverete in tal parte men duro
Ove amor mise l’insanabil ago.

“Jovem gentil”

Jovem gentil, sendo amante sincero,
de mim furtar-me já que me é vedado,
senhora minha, toma-o por dado:
meu cor é dom humilde a quem venero.

Venceu a provas tantas, tão austero,
de aviso belo, nobre, ponderado;
quando o grão mundo troa, encapelado,
de si faz armas de adamante fero.

De má fortuna e inveja protegido,
de vulgar esperança e vil temor,
engenho e alto valor tendo por meta,

da musa por meta a lira e o labor,
num só lugar é menos aguerrido:
onde Amor incurável crava a seta.


Notas

2.2. nobre vau e verde vale ao Reno: Reno e Rubicão corriam pela antiga província italiana de Aemilia; o soneto é dedicado a uma moça de mesmo nome, sobre quem não se sabe muito. Em 49 ec, Júlio César tornou célebre a vau do Rubicão ao atravessá-la, evento que culminou em tonar-se ditador de Roma.

2.10. mover o duro lenho alpino: À maneira de Orfeu, cujo canto fazia moverem-se as árvores.

3.7. flor de fala nova: O italiano; mais precisamente, o dialeto toscano.

3.10. meu Tâmisa pelo Arno preterido: Ou seja, trocando a língua inglesa pela italiana.

Canzone: Uma canzone normalmente contém várias estrofes com esquema rimático não rigoroso; Milton sintetiza numa a sua. A canzone geralmente é encerrada pelo commiato, onde o poeta se dirige ao próprio poema.

4.1. Diodati: Charles Diodati, amigo de infância de Milton.

4.14. os ouvidos vedar: Com cera, como Ulisses no canto 12 da Odisséia.


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John Milton: “L’Allegro” & “Il Penseroso”
Tradução de dois poemas de John Milton, publicada na revista (n.t.)[http://www.notadotradutor.com/revista.html] em março de 2013. Que seja de meuconhecimento, trata-se da primeira tradução feita no Brasil (tradução portuguesade Manuel Frias Martins foi lançada pela Inquérito, de Lisboa, em 1986).…
Duas canções de Comus
Tradução comentada de duas árias compostas por John Milton para sua mascaradapopularmente conhecida como Comus. As traduções e o comentário foram publicadosna revista Aletria (25.2, 2015[http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/aletria/issue/view/499], númeroespecial: tradução comentada). …