Com o avanço da pandemia do coronavírus, inúmeros líderes mundiais e regionais vêm se destacando, positiva ou negativamente. Enquanto o presidente brasileiro é considerado o pior do mundo devido à sua postura negacionista e os Estados Unidos são acusados de desviar equipamentos e boicotar o auxílio a países como Irã e Venezuela, o que vem chamando a atenção internacional é que algumas das políticas mais sólidas e eficientes no combate ao vírus têm um traço em comum: vêm de países governados por mulheres. A primeira-ministra neozelandesa Jacinda Ardern parece encabeçar a lista; com medidas rigorosas e postura firme, a Nova Zelândia conta até o momento com apenas duas mortes.
Estes dados recentes sobre a eficiência feminina na política convidaram-me a revisitar um estudo que foi notícia no Brasil em 2018. O artigo—de autoria de Chandan Kumar Jha e Sudipta Sarangi e publicado no Journal of Economic Behavior & Organization (vol.151, 2108)—intitula-se Women and corruption: What positions must they hold to make a difference? [Mulheres e corrupção: quais papéis devem desempenhar para fazerem a diferença?], e foi noticiado por jornais brasileiros.
As notícias recentes sobre a eficiência feminina no combate à pandemia talvez pareçam, de certa forma, corroborar os dados apresentados pelo artigo, que apontam no sentido de que uma maior participação das mulheres na política diminui a presença de corrupção nos governos. Abaixo, ofereço a tradução do resumo e das palavras-chave:
Resumo: O presente artigo examina em quais papéis as mulheres impactam a corrupção, concentrando-se na participação das mulheres na mão-de-obra e em sua presença no congresso. Uma vez que grande parte da literatura sobre corrupção enfrenta problemas de escassez ou ineficiência de instrumentos, este artigo traz uma contribuição metodológica, ao fazer inferências com base no teste de razão de probabilidade condicional de Moreira (2003). Oferecemos evidência sólida de que a presença das mulheres no congresso tem impacto causal negativo na corrupção; outras medidas de participação feminina não demonstraram relevância. Adicionalmente, esta relação negativa entre a presença feminina no governo e a corrupção também se mantém em uma análise regional dos dezessete estados europeus, assim dirimindo ressalvas quanto à relação estar ligada a características não observáveis, específicas dos países. Finalmente, demonstramos que esta relação não desaparece quando as mulheres se tornam semelhantes em status social.
Palavras-chave: corrupção; gênero; política pública; mão-de-obra
Um terceiro conjunto de dados talvez possa, ainda que de forma indireta e inferencial, corroborar isto: como dito acima (não sem desgosto), o Brasil apresenta a pior resposta à pandemia; não coincidentemente, também patina para conseguir eleger um maior número de mulheres.
No mesmo ano em que foi publicado o estudo acima, vimos um avanço extremamente tímido da participação feminina na política: em 2108, apesar de mudanças na legislação eleitoral para alavancar a participação feminina, os resultados foram pouco expressivos no Legislativo; no Executivo, apenas uma governadora foi eleita, e a maioria dos partidos políticos—tanto de esquerda quanto de direita—apostaram em candidatos homens para encabeçar as chapas no Executivo; houve, sim, um aumento de mulheres nestas chapas, mas na condição de vices.
Os dados do Executivo são ambíguos: por um lado, é inegável que as candidatas foram relegadas a posição secundária; por outro, esta foi uma eleição que prestou atenção redobrada aos vices. O processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff está na base das ambigüidades: o cargo de vice passou a receber atenção antes inédita, devido ao posicionamento de Michel Temer—vice que assumiu a presidência e, ainda como interino, extinguiu ministérios e mesmo mudou o slogan do governo, e que teve participação ativa nos bastidores do processo. Assim, se, por um lado, trata-se de um cargo secundário, por outro, passou a ser visto como cargo de confiança. Entregá-lo às mulheres representou, de certa forma, que seu avanço na política brasileira é irrefreável—embora lento, muito lento, e talvez amargo.