Fontes: quantas? Quais? Até quando?
Dia desses, deparei-me com um meme em rede digital que tratava de fontes acadêmicas: era um papel supostamente afixado numa biblioteca, cujo textículo indagava sobre a obrigatoriedade de se citar todas as fontes—mais especificamente, sobre ser possível não citá-las todas—; a resposta, entre aspas ao centro do papel, era um simples não entre aspas, com um número sobrescrito à direita; ao número, correspondia uma nota de pé de página, atribuindo o não a uma cena de Hamlet.
A segunda coisa que me veio à cabeça é que o meme, a contrapelo, e talvez sem intenção, alerta-nos sobre o imperativo de não botar palavras (ou idéias) na boca de nossas fontes: devemos nos esforçar para reproduzir o que dizem, não fazê-las dizer o que nos convém que digam. Não é disso, porém, que trato aqui.
A primeira pergunta que me vem à cabeça—e é o que gostaria de abordar aqui—é: por que alguém sequer cogitaria não citar todas as fontes? Por preguiça? Para poupar espaço? Para tomar idéias de terceiros como suas? Por vergonha da fonte? Não existe boa razão para isso: toda e qualquer fonte direta dum texto acadêmico deve ser citada ou, ao menos, mencionada. Trata-se, como já tive ocasião de pontuar, de um expediente de honestidade intelectual, que confere falseabilidade a nosso trabalho. Não citar não é um lapso, nem preguiçoso: é desonesto.
Não obstante, pode haver, sim, uma dúvida legítima acerca de quais seriam nossas fontes; dificilmente ocorrerá a um pesquisador experiente, produzindo um trabalho solidamente fundamentado, mas existem situações nas quais um artigo passa por diversas revisões, e autores vêm e vão do texto com certa fluidez. Nestes casos, como saber quais citar de fato? Quais excluir? Como ter segurança acerca de nossa seleção de fontes?
A resposta está estreita relação entre referencial teórico, metodologia e análise de dados—entre os conceitos e sistemas conceituais que guiam nossa pesquisa, nosso modo de coletar, sistematizar e processar informações, e nosso modo de interpretá-las. Se a metodologia não está de acordo com a análise (e há, sim, quem prometa uma coisa e entregue outra), se a análise não está de acordo com o referencial teórico (há, sim, quem não leve seus resultados de volta ao pressupostos que consagrou como basilares), se o referencial teórico não é o norteador da metodologia (há, sim, quem escolha método incondizente com tais pressupostos), certamente, teremos dificuldade em compreender quais textos e autores realmente devem ou não ser citados ou mencionados como fonte.
Assim sendo, quando houver dúvidas sobre fontes, uma forma de solucioná-las é debruçar-se sobre a relação entre estes três aspectos. O referencial que não contribui diretamente para a metodologia e que não é levado em conta ao fazermos a análise não faz parte de nosso trabalho. Sem essa clareza, inclusive, corremos o risco de nos estendermos demais ao escrever, sem nunca saber quando o texto está finalizado.