Nazry Bahrawi entrevista Susan Bassnett
A tradução é uma atividade antiqüíssima, e os comentários críticos sobre tradução, no Ocidente, remontam ao menos a Cícero e aos primórdios da era cristã. Mesmo assim, os Estudos da Tradução como disciplina acadêmica são um fenômeno de meados do século XX.
Um dos principais nomes a despontarem desse período é o da estudiosa Susan Bassnett, conhecida por volumes como Comparative Literature: a critical introduction (1993), Translation Studies (1980; 4.ed.2014) e Exchanging Lives: Poems and Translations (2002), no qual apresenta suas traduções da poetisa argentina Alejandra Pizarnik (que teve recentemente dois volumes publicados no Brasil).
O periódico Asymptote publicou uma entrevista com a pesquisadora. A entrevista foi conduzida por Nazry Bahrawi, que é orientanda de Bassnett. Você pode conferir a entrevista integral (em inglês) clicando aqui.
Abaixo, segue minha tradução de alguns destaques da entrevista:
Eu diria que sim, que a tradução é uma aptidão, e que a tradução de muitos tipos de texto pode ser e de fato é ensinada e levada a termo de modo eficiente. Mas quando falamos da tradução de textos literários, não se trata apenas de aptidão. Aqui a tradução é de fato uma reescrita.
Você pergunta sobre o que a tradução, vista como uma empreitada filosófica, pode oferecer ao mundo. Penso que pode oferecer o seguinte: (i) O reconhecimento de que as idéias sobre beleza podem ser transmitidas ao longo do tempo e do espaço, mas também de que tais idéias mudam. (ii) A tradução nos dá acesso a trabalhos que jamais encontraríamos de outra forma. (iii) A tradução permite que os escritos de grandes figuras do passado sobrevivam e continuem a ser lidos por gerações subseqüentes.
Quando perguntada sobre a relação entre tradução e reescrita, Bassnett pondera o seguinte:
Esta pergunta preocupa teóricos da tradução desde os primórdios da tradução, e continua a preocupar, pois envolve a responsabilidade do/a tradutor/a. O/a tradutor/a tem, basicamente, uma dupla responsabilidade: com o texto original que busca traduzir e, portanto, para com o/a autor/a, e com o público leitor. Minha opinião é a de que a responsabilidade primeira do/a tradutor/a é criar um texto na língua-alvo que seja apreciado pelas/os leitoras/es e, ao mesmo tempo, demonstre respeito ao texto-fonte. Mas como se deve interpretar o respeito é uma questão interessante. Não creio que o/a tradutor/a deva respeitar servilmente o original. De fato, creio que é responsabilidade do/a tradutor/a reescrever e recontextualizar o que estiver traduzindo.
Bassnett também falou sobre os perigos da tradução, em especial, da tradução de textos sacros (o mesmo tópico foi abordado, sob outro ponto de vista, em outro artigo divulgado aqui):
Não creio que a tradução de textos sagrados deva seguir um conjunto de regras distinto de outras formas de tradução literária, mas deve haver consciência do que já foi feito. Esta é possivelmente a principal diferença em relação a outros tipos de tradução. […] Quanto se traduz um texto religioso, penso que é essencial consultarmos o trabalho de tradutores anteriores, e creio que essa releitura consciente é uma parte crucial de sua tradução.
A estudiosa advoga fortemente pela tradução literária como reescrita. Este seria, talvez, um de meus desentendimentos com seu pensamento: creio que a definição conceitual do que seria tradução é prejudicada por asserções que inflacionem conceitualmente o ato tradutório. Quanto a esta questão, publiquei aqui um texto chamado Intertextuality and Translationhood, em que o problema de ser pensar na tradução relativamente a outras formas de produção textual é abordado desde o ponto de vista de sua intertextualidade.