Seu tradutor pode alterar o seu artigo?
A tradução, acima de tudo, cumpre um propósito prático: o tradutor é uma espécie de mediador que informa a outras pessoas—num processo de mudança lingüística, que amplia o público-alvo de determinado autor ou texto—o que este autor disse ou escreveu.
O tradutor realiza um ato de fala não muito diferente do de um porta-voz, falando ou escrevendo em nome de terceiros, eximindo-se de expressar as próprias idéias para veicular as de terceiros, sem emitir sobre elas julgamentos, e evitando responsabilizar-se por elas (ao menos na medida em que foi bem-sucedido).
Este propósito prático, este ato de fala mediador requerem um alto grau de confiança em seu executor—principalmente da parte do público leitor, uma vez que os autores podem não estar mais vivos para selecionar seus tradutores.
Curiosamente, para cumprir seus propósitos, o tradutor deve, muitas vezes, transformar ligeiramente o texto que tem em mãos; melhor conhecedor do público-alvo em língua-meta, dispõem de conhecimentos de que o autor original talvez careça: sabe, por exemplo, quais são as convenções que regem determinados gêneros textuais, e portanto consegue reconhecer quais características do texto-fonte são estranhas ao novo público-alvo, passíveis de gerar afastamento e confusão; também sabe quais tipos de informações o leitor na nova língua conhece e pressupõe, e quais precisam ser suplementadas, por meio de notas ou explicações e acréscimos.
Mediar não é apenas dizer exatamente o que o outro disse; mediar é garantir o mais alto grau possível de comunicabilidade, levando-se em consideração as potências barreiras culturais que tornam um texto em língua estrangeira (mesmo depois de traduzido) menos aceitável ou hospitaleiro a seu novo público. Mediar, destarte, exige que o tradutor saiba dosar a estrita reprodução dos conteúdos de um texto e sua adaptação pragmática e circunstancial a uma realidade distinta.
Seu tradutor não vai apagar de seu texto uma idéia que considere indigesta para aquele público, mas pode buscar formas de torná-la menos intragável, se for o caso; tampouco alterará os números de seus gráficos, mas pode sugerir formas mais eficientes de apresentação dos dados—por exemplo, abreviando termos freqüentes. Muito provavelmente, não fará nada disso sem sua anuência, portanto é imprescindível que se mantenha diálogo aberto com os tradutores.
Em textos anteriores, já sugeri que o tradutor, como leitor especializado, como alguém que interfere na escrita do texto (especialmente quando publicado diretamente em tradução), deve fazer parte da equipe de pesquisa, e manter diálogo com os autores e pesquisadores. Seu tradutor atua como porta-voz de sua pesquisa; pode (muitas vezes, deve) realizar pequenas alterações em seu texto, que possam aprimorá-lo, tornando-o mais pronto para o seu novo público, mas é muito melhor que faça isso contando com seu apoio, e dialogando com você.
Converse com seu tradutor sobre seus objetivos, sobre a possibilidade de aprimoramento do seu texto via tradução; esteja aberto a esclarecer suas dúvidas, e dialogar com ele.