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Quando devo fazer autocitações?

Na redação de artigos científicos, citar-se a si mesmo ou o próprio trabalho é apenas um prazer culposo? Um pecado venial? Algo a ser evitado a todo custo?
Quando devo fazer autocitações?
Photo by Annie Spratt / Unsplash

Em artigos acadêmicos, uma de nossas principais tarefas é registrar nossas fontes—as pesquisas, teorias e publicações que embasam o desenvolvimento de nossa própria pesquisa autoral. Em alguns casos, isso nos confronta com a possibilidade de sermos nós mesmos—ou seja, nosso trabalho anterior—uma dessas fontes. Citar a si assim mesmo pode ser, em alguns casos, necessário, em outros, não muito bem visto. Quando devo ou posso me autocitar?

Antes de citar o próprio trabalho, talvez seja importante refletir sobre o seguinte:

  • Função: A primeira coisa a se prestar atenção é em que parte de nosso texto estaremos nos autocitando? Na introdução e contextualização? Na metodologia ou no referencial teórico? Na apresentação e discussão dos dados? Como veremos abaixo, citar nosso trabalho anterior em cada uma dessas etapas tem implicações diferentes.
  • Formato: citar pode ser feito de duas formas: por meio de uma menção e/ou paráfrase seguida de referência simplificada (aquelas que, no modelo da ABNT, seguem o formato sobrenome-ano-página), ou por meio de uma citação textual direta. Para autocitações, a segunda opção implica mais riscos—afinal, se as palavras e idéias são suas, você deveria saber expressá-las de outro modo.
  • Contextualização: Se o artigo que estou desenvolvendo é parte de uma pesquisa mais ampla, se é necessário citar uma etapa anterior desta pesquisa para contextualizar a etapa atual, então parece óbvio que a autocitação é necessária. Uma autocitação introdutória pode ser necessária, mesmo indispensável, em determinados tipos de pesquisa, para situar o leitor.
  • Relevância teórica: Quando um autor experiente e bastante conceituado numa dada área cita seus próprios trabalhos como parte de seu referencial teórico, isso pode ser feito a partir da consciência da própria relevância; embora haja, também aqui, risco de que esta atitude seja tachada de arrogante, é razoável imaginar que esse autor se vê freqüentemente citado, portanto compreende o papel que suas teorias ou pesquisas têm na área. Um autor neófito corre mais riscos ao fazê-lo, pois parecerá desejar se autopromover.
  • Continuidade metodológica: Se um determinado autor desenvolve uma teoria ou metodologia num texto específico e deseja empregá-la(s) em artigos subseqüentes, talvez uma citação breve do texto anterior agilize a redação do artigo. Novamente, autores mais conceituados terão maior respaldo ao fazerem isso que autores iniciantes.
  • Teoria versus opinião: Fazer referência às próprias teorias—ou seja, ideias, conceitos e definições aos quais chegamos após um processo rigoroso de raciocínio e experimentação—pode ser útil a leitores interessados. Pelo contrário, se estamos citando o que dissemos anteriormente como mera opinião, isso soará muito provavelmente arrogante: ninguém precisa citar a si mesmo para repetir as próprias opiniões, especialmente quando são triviais. O maior risco aqui é parecer que desejamos nos apropriar de idéias já consagradas, ou de terceiros.
  • Comparação de resultados: Durante a discussão de nossos resultados atuais, pode parecer relevante compará-los aos de nossas pesquisas anteriores. Neste caso, a comparação entre dados pode ser altamente salutar tanto para nossa pesquisa quanto para os leitores.

Como as dicas acima dão a entender, a autocitação é uma ferramenta mais adequada à contextualização da pesquisa ou à discussão dos dados. Tratarmos nossos trabalhos anteriores como referencial teórico—ou seja, erigirmo-nos em autoridades de nós mesmos—é mais temerário, e implica mais riscos.

O mais importante é lembrarmos que nosso trabalho deve estar subordinado primeiramente ao rigor científico, e que nossas ferramentas devem ser selecionadas por sua relevância; alcançaremos nossos melhores resultados e nosso trabalho será mais relevante para comunidade científica se tivermos em mente que o objetivo final da ciência e sempre altruísta: contribuir para a produção de conhecimento e para a melhoria da qualidade de vida dos seres humanos e da relação destes com os demais seres vivos e com o planeta.

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