Como creditar citações traduzidas?

Como creditar citações traduzidas?
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Se seu artigo está sendo escrito (e será publicado) em português, num periódico nacional, talvez você se sinta à vontade para abusar das citações diretas. Alguns campos do conhecimento são mais prolíficos em citações que outros, e alguns pesquisadores talvez mesmo julguem fundamental citar em abundância.

Em outras ocasiões, abordei a pertinência das citações e das autocitações; aqui, concentro-me em outro problema: como citar um texto que está sendo lido em tradução.

Academicamente, é costumeiro que as referências mais importantes sejam feitas na língua em que foram escritas; isso é para particularmente verdade se estamos citando nosso objeto de pesquisa: na filosofia, determinado filósofo; na literatura, determinado autor, etc. Desde o ponto de vista prático, porém, muitas referências importantes são citadas através da mediação tradutória. O autor ou teoria que é peça-chave do seu referencial teórico, por exemplo, pode perfeitamente ser lido em tradução.

Também pode acontecer de o autor do artigo preferir oferecer as citações numa língua distinta: pode preferir, por exemplo, (mandar) traduzir para o português todas as citações de fontes lidas em inglês, francês, etc.

Já comentei que a falseabilidade científica depende de explicitarmos da maneira mais precisa possível nossas fontes; isso quer dizer que informar nosso leitor sobre a presença de mediação tradutória é fundamental. O leitor não deve ser levado a crer que lemos uma fonte distinta daquela que consultamos; também não deve supor que existe tradução de um texto ainda inédito em sua língua.

De que modo informamos o leitor sobre a presença de mediação tradutória? Isso depende do tipo de mediação: Para um texto citado em tradução, a edição constante das referências bibliográficas será, muitas vezes, suficiente para que o leitor infira que se trata de uma tradução. Afinal, se estou citando As formas elementares da vida religiosa de Durkheim em português, um leitor minimamente informado saberá que se trata de uma tradução.

Não obstante, deixar essa responsabilidade a cargo das inferências do leitor não é suficiente: nem todos os leitores são igualmente conhecedores de todas as fontes traduzidas que citamos. Além disso, não basta saber que houve mediação tradutória; o nome do tradutor (ou seja, do responsável pela mediação tradutória) também deve constar da referência:

Schoenberg, Arnold. Harmonia, 2. ed. Tradução de Marden Maluf. São Paulo: Unesp, 2011.

A referência ao tradutor pode constar igualmente do corpo do texto; isso é particularmente importante se algumas das traduções sendo oferecidas forem do próprio autor do artigo. Nesse caso, a forma mais elegante de fazer menção às próprias traduções seria oferecer a seguinte informação em nota de rodapé quando da primeira ocorrência:

Todas as traduções minhas, exceto quando indicado.

Fica claro que, sempre que uma tradução apresentada não for do autor do artigo, este deverá, após as citações diretas em questão, acrescentar o tradutor à referência simplificada:

Um homem, com efeito, que num julgamento foi subornado, não poderia mais ser um juiz livre e são do justo e do bom (pois necessariamente àquele que se deixou corromper só o seu interesse parece bom e justo). (Longino, 1996, p. 108, trad. Filomena Hirata.)

Alternativamente, é possível indicar a própria tradução no corpo do texto:

O propósito do moralista é aprimorar o comportamento humano. É uma ambição louvável, visto que o comportamento humano é, em grande parte, deplorável. Mas não posso louvar o moralista nem pelo aprimoramento que deseja, nem pelos métodos que adota para alcançá-lo. (Russell, 1957, pp. 60-61, minha tradução.)

Essa opção, porém, só seria indicada para um número muito reduzido de traduções assim apresentadas ao leitor. A repetição constante da expressão minha tradução ao longo do texto pode causar uma impressão distinta daquela a que nos propomos: pode parecer uma tentativa de autopromoção, uma vez que a mesma informação poderia haver sido oferecida de forma mais modesta e econômica em nota.

Infelizmente, ainda não parecemos ter consciência da importância de citar os tradutores como parte de uma metodologia científica rigorosa: são comuns trabalhos acadêmicos que não incluem o nome do tradutor nem mesmo nas referências bibliográficas ao final, e igualmente comuns (ainda mais infelizmente) artigos científicos traduzidos sem qualquer menção ao tradutor. Trata-se de uma realidade que, espero, possa ser transformada em breve.

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