Publicando artigos internacionalmente: o seu tradutor deve fazer parte da equipe de pesquisa?
No atual contexto de produção científica—em que idéias devem ser cada vez mais rapidamente produzidas, testadas e difundidas—, existe uma pressão constante sobre pesquisadores e grupos de pesquisa não-anglófonos para que seus resultados sejam publicados em periódicos internacionais—ou seja, em inglês.
Isso impõe exigências cada vez mais severas e prematuras a profissionais que desejam trabalhar com pesquisa em suas áreas. Em alguns cursos de graduação, os graduandos já sentem a pressão para não só se engajarem em pesquisa, mas publicar em inglês; áreas como as a das ciências médicas, por exemplo, parecem cada vez mais ver cada vez menos sentido em publicar em língua materna.
À exigência de especialização na própria área, agrega-se, assim, uma exigência de especialização lingüística: o nível de proficiência em inglês necessário para se escrever artigos que possam competir não apenas acadêmica mas lingüisticamente com a produção de centros de pesquisa nativamente anglófonos é bastante elevado. Estes centros de excelência—irradiando pesquisa e conhecimento nascidos num inglês acadêmico e altamente especializado—, não raro adotam parâmetros de escrita acadêmica em muito superiores aos de um falante nativo, barrando desta maneira inúmeros pesquisadores qualificados, cuja proficiência em língua inglesa é satisfatória, mas não inteiramente livre das marcas da língua materna.
Parece-me razoável exigir de um pesquisador qualificado, que se serve regularmente de bibliografia anglófona em seu trabalho, que domine a proficiência leitora de certo vocabulário técnico; é um tanto mais descabido exigir-lhe o domínio escrito de uma fraseologia complexa (como é praxe em certas áreas adotar), que nem sempre é verdadeiramente útil, e que tem muitas vezes por resultado final alienar o grande público do conhecimento científico. Estas exigências podem justamente ter por objetivo reduzir a contribuição para a produção de conhecimento de pesquisadores produzindo desde centros não-anglófonos, deixando-os sempre dependentes da produção estrangeira.
Tudo isso é, sem dúvida, bastante questionável: a velocidade, a hiper-especialização precoce, as exigências lingüísticas absurdas de centros de pesquisa e poder acadêmico. Mesmo assim, talvez seja possível questionar o atual estado do mercado acadêmico e contorná-lo ao mesmo tempo.
Grupos de pesquisa que realmente desejam internacionalizar seus resultados de maneira mais satisfatória deveriam considerar a possibilidade de incluir tradutores entre seus membros. Um grupo pode estabelecer parceria com um profissional externo, que lhe preste regularmente serviços lingüísticos.
Quais seriam as vantagens de se contar com tradutor regular em grupos de pesquisa?
- Em primeiro lugar, obviamente, a garantia de que toda a produção científica do grupo possa ser publicada de forma bilíngüe, em língua materna e em inglês.
- Em segundo lugar, como se trata sempre de um mesmo profissional realizando as traduções, haveria uma maior uniformidade terminológica. O tradutor já está familiarizado com o trabalho do grupo, com suas teorias e termos técnicos mais recorrentes; seria muito mais fácil manter um maior grau de conformidade entre as publicações.
- Em terceiro lugar, mesmo que o grupo já conte com pesquisadores capazes de escrever em inglês, isso não quer dizer que seu nível de proficiência, mesmo que satisfatório e bastante elevado, consiga competir com a produção nativa de centros anglófonos. O tradutor, nestes casos, pode atuar como revisor de um texto em língua estrangeira.
- Se o tradutor está envolvido nas atividades do grupo de maneira regular, também poderá se engajar em atividades que não costumam ser possíveis para tradutores atuando esporadicamente. Será possível, por exemplo, incluir na encomenda um mais detido estudo das exigências para publicação de determinados periódicos internacionais, bem como de alguns artigos ali publicados e mais diretamente ligados às pesquisas do grupo, de modo a tentar garantir que o nível de proficiência do texto final esteja o mais próximo possível das exigências do periódico.
- Dada a importância da terminologia estrangeira e de se lhe encontrar correlatos em língua materna, um tradutor envolvido regularmente nas atividades de pesquisa do grupo poderá suprir-lhe não só traduções, mas material de apoio à pesquisa, como glossários de termos e abreviações, fortalecendo ainda mais a coerência terminológica da produção do grupo.
- Finalmente, os tradutores são especialistas lingüísticos: sua compreensão de textos especializados é diferente da dos especialistas, focando-se em aspectos estruturais de coesão e coerência. Como leitor regular das produções do grupo, poderá oferecer uma visão sobre a inteligibilidade e legibilidade destes textos. Os grupos de pesquisa poderão, assim, incluir em sua atividade uma reflexão regular sobre sua capacidade de falar a mais vastos setores da sociedade.
Devido às necessidades de prestação de contas a órgãos de fomento universitários, talvez se possa pensar inicialmente que este tipo de parceria seria possível apenas com agências de tradução—ou seja, com pessoas jurídicas. De fato, a atividade do tradutor não está entre aquelas reconhecidas para a formalização do profissional como microempreendedor individual (MEI); tradutores, portanto, não podem constituir pessoa jurídica sem abrir microempresas.
Mesmo assim, tradutores que recolham o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) junto a suas prefeituras podem emitir notas fiscais. Destarte, este tipo de parceria pode ser celebrada com pessoas físicas—o que pode, inclusive, ser desejável, especialmente se as vantagens acima forem levadas em conta.